domingo, 13 de dezembro de 2009

E agora, José?

José - Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?
A festa acabou, a luz apagou,
o povo sumiu, a noite esfriou,
e agora, José ?
e agora, você ?
você que é sem nome,
que zomba dos outros, você que faz versos,
que ama protesta, e agora, José ?
Está sem mulher, está sem discurso,
está sem carinho, já não pode beber,
já não pode fumar, cuspir já não pode,
a noite esfriou, o dia não veio,
o bonde não veio, o riso não veio,
não veio a utopia e tudo acabou
e tudo fugiu e tudo mofou,
e agora, José ? E agora, José ?
Sua doce palavra, seu instante de febre,
sua gula e jejum, sua biblioteca,
sua lavra de ouro, seu terno de vidro,
sua incoerência, seu ódio - e agora ?
Com a chave na mão quer abrir a porta,
não existe porta; quer morrer no mar,
mas o mar secou; quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora ? Se você gritasse,
se você gemesse, se você tocasse
a valsa vienense, se você dormisse,
se você cansasse, se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José !
Sozinho no escuro qual bicho-do-mato,
sem teogonia, sem parede nua
para se encostar, sem cavalo preto
que fuja a galope, você marcha, José !
José, pra onde ?

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